terça-feira, 27 de outubro de 2015

70 e algumas coisas já vividas

Estive pensando e repensando coisas que vivenciei com os 70 anos de idade e 4 meses já vividos.

Balanço de vida? Não , acho ainda muito cedo para fechar a vida para balanço, vou esperar muito mais , assim terei mais coisas para avaliar, contar e saborear.

Algumas são coisas interessantes, outras nem tanto. Há as tristes, alegres, loucamente engraçadas, algumas de alto risco.

Quando se é jovem não prestamos a mínima atenção ao que se passou e pouco no que poderá vir.

Mas, depois de se viver, com certeza, mais da metade de minha provável existência, passei, depois dos 50 anos a lembrar e ou tentar lembrar fragmentos de algumas histórias e passagens da vida.

Tenho alguns causos registrados e que consigo ainda me lembrar. Outros, esqueço por conveniência e sobrevivência de minha integridade mental. Ficar lembrando de coisas ruins vale a pena?

Vamos lá:

Pai, mãe e irmão já desembarcados dessa esfera

Vários amigos queridos que morreram novos na infância, juventude e na fase adulta. Tenho deles boas lembranças e vivências. Algumas tragédias ouvidas, presenciadas e vividas.  Prefiro não contar os casos, há coisas muito duras e tristes. Melhor deixar estar no fundo do baú das vivências. Não há nada a se fazer para mudar o que já foi. Falar de cordas, armas, afogamento, mortes, acidentes para que, não é mesmo? Que fiquem essas coisas no limbo do cérebro.

Muitas pessoas passaram pela minha vida e sumiram. Pessoas que "foram amigas" durante períodos e que se apagaram, se afastaram, me excluíram ou os excluí.
Penso aqui com os meus botões, velcros e zípers, será que eram realmente amigos verdadeiros? Correspondi a essas pessoas? Ou foram relacionamentos descartáveis de ambas as partes. Tenho a certeza de sentir a perda de contato e relacionamento com alguns deles. Enfim , isso é do jogo da vida. Se escolhe e se é escolhido.

Em contrapartida tenho retomado contato com amigos de longa data sem ver, glória ao Facebook.

E os que me querem bem e eu idem , mesmo à distância, quando nos encontramos ou nos falamos tecnologicamente, fica sempre um sabor de reminiscências, dos bons tempos. Fica um sabor de amizade para sempre, mesmo que demore mais 10 anos para se encontrar.

Tenho pessoas que estimo por vários estados do país, sabem que nos queremos bem.  Tenho todos eles na memória afetiva e sempre penso em um e outro. De vez em quando sou surpreendido por uma retomada de contato que emociona.

Parentes que foram importantes em minha criação e formação, estão em um recanto de minhas boas e melhores lembranças e num canto do meu coração.

Cumpri e cumpro ainda meu papel de pai e marido, com acertos e erros, dos acertos tenho certeza,  dos erros a mulher e os filhos sabem e dizem. O que posso remediar ou corrigir, tento às vezes, o que não consigo, deixa estar que a vida sabe cobrar. Se amadureço e aprendo, vou lá e refaço os laços.

Andei no fio da navalha, enfrentei a luz falsa que brilhava no fim ou início do túnel? Pisei em cacos de vidro, em taças de cristal, e em ovos sem quebrar ou me machucar. Enfrentei ondas e marés bravas. Surfei em mar de almirante.

Estive no entroncamento e soube optar pelo trilho certo. Levei pau, pedra e vi o fim do caminho, mas soube retornar e refazer minhas trilhas e minhas caminhadas. Não sujei os pés na lama.

Desagradei a gregos e troianos, agradei as pessoas que em mim acreditaram. Errei, me desculpei e consertei muitos vasos que quebrei, embora, o vaso, mesmo sendo chinês da Dinastia Ming não voltasse a ter o mesmo valor.

Muitas das pessoa que tentaram me ferir, vieram mais a frente "comer nas minhas mãos", a vida dá voltas, a terra roda, é dia, é noite, hoje na parte de cima, amanhã lá embaixo. As linhas retas e curvas ajudam a escrever, desenhar, a moldar e traçar uma vida pelo mundão de Padim Cícero, por sorte, ajuda e persistência meu modelo ficou até muito bom. Tive ajuda de meus protetores que são fortes e me protegeram. Mesmo tendo, muitas vezes, que passar a borracha no meu rascunho, em refazer as linhas e letras, jogar fora o molde, romper a linha do horizonte e seguir em frente tropeçando, caindo e levantando, continuo inteiro nas minhas andanças e vivências.
Vou e venho, penso e repenso, sorrio e choro, faço e desfaço, xingo, esperneio, para segundos depois tentar esquecer e fazer diferente, como bom geminiano que sou.

Mas, fato mais importante de todos, sem a minha mulher com quem constituí uma família aguerrida e unida não teria sido o que sou.
Bom e suave ter na minha mulher, uma baía de calmas águas para aportar meu barco e lançar âncoras, um cantinho para chamar de meu e refazer os motivos e desejos para continuar a vida com ela e com amor.

Fiz e refiz projetos nunca executados, realizei outros, sem planejar, por puro desejo e vontade própria. Sempre fui muito intuitivo.

Acho que o saldo positivo pende a meu favor, será? Quem vai botar na balança e pesar? No acerto de contas final saberei. Depois, um dia, volto para contar. Me aguardem com velas, marafo, farofa, frango preto, fitas amarelas e sambas bons. Ê monsefio, hum, hum !!!

Hoje, tenho tempo para olhar mais para a natureza, ver pássaros, flores, insetos, paisagens, nascer e por do sol, admirar luas cheias, azuis, novas. Me emociono com coisas simples que estão por aí e muitas vezes nem percebemos.  É a conquista de uma paz simples e muito especial.
Amo sorriso de crianças e de meus lindos netos. Todos eles puxaram a beleza, o charme, a inteligência, a espontaneidade e a modéstia do "Vô Niverso".

Esses filhotes de passarinho, eu os vi  nascer, crescer, sair do ninho, ir para o chão, alçar primeiros voos, se desgarrarem da mãe, acostumaram comigo e vieram comer em minha mão - Vídeo: UNIVERSO

Procuro ler de tudo um tanto, neste ano já li mais de 9.000 páginas. Ouço menos música do que gostaria, vou dar um jeito nisso.

Viagens caíram de intensidade este ano, já são 9 meses ancorado, com o casco cheio de zinabre e mariscos. Dezembro, me aguarde.

Diminuí o hobby de fotografar, cozinhando pouco também, retomando o blog, depois de meses sem motivação, aproveitei para ler mais. E tem o tal do Facebook, lugar bom para se divertir e saber dos amigos. Não deixo passar batido qualquer assunto, perco o amigo, mas não deixo passar a oportunidade de dar uma boa sacaneada, mesmo em assuntos mais sérios..

No mais, é cuidar para não enferrujar a máquina e manter a ferramenta em dia.

Se a velhice começa quando você passa a relembrar e contar as mesmas histórias, causos, vivências, ainda rir de uma boa velha piada, ser mais seletivo em tudo o que te agrada, eliminando e deixando de fazer o que não te agrada. Acho, que já estou ficando velhinho.

A paciência, vai acabando com a idade, uma das coisas que me cansa na vida é a falta de educação das pessoas que não respeitam nada e nem ninguém. As vezes tenho vontade de ter um dia de fúria para enquadrar esses tipos, aí caio na real e entendo que não tenho que consertar o mundo e nem tenho tampouco força física para tal, então só me resta me acalmar e pensar que felizmente meus filhos, netos, nora e genro, tocam as suas vidas há mais de 10 anos fora dessa anarquia que se transformou o Brasil, sem desejo nenhum de voltar um dia.

Mas, não perco a minha dignidade e tampouco a minha indignação contra tudo o que está aí. Vou a rua e participo pelas mudanças necessárias, falo, divulgo fatos que dizem respeito ao que desejo ver mudado. Quero um país mais "limpo" para viver. Não me omito.

Viajei muito pelo Brasil, conheço quase todos os estados e territórios, fui pelo menos a 15 países, rodei bastante, vi muitos lugares bonitos, históricos, deliciosas comidas e bebidas, gente de todo tipo, com as pessoas que mantive contato por qualquer motivo, sempre fui muito bem tratado e sempre recebi de volta o que pratiquei com todos - GENTILEZA, GERA GENTILEZA.

A fórmula é simples: desculpe-me, com licença, por favor, obrigado, bom dia, tarde, noite, preciso de sua ajuda, pode me ajudar? Pode me atender agora? Foi muito gentil de sua parte, desculpe se não falo a sua língua. Simples assim.

Tenho o prazer de não ter hora e nem compromisso, sair de casa e voltar antes da hora da onça beber água no trânsito. Ir e não ir onde desejo ou não.

Comer e beber o que desejar, quando for e sem qualquer restrição.

Vestir a velha calça folgada e desbotada, a camisa quase furando de tão rala a malha, tênis, crocs, bermuda. Barba? Quando me olho no espelho e vejo que os fios brancos não estão nada charmosos, faço a barba, remoço 3 anos.  Cabelos brancos são poucos e dão certo charme, quando vou cortá-los mando fazer um corte de aposentado, bem curtinho, e tirar só os fios brancos, assim só volto daí a quatro meses.

Minha mulher diz que fico com cara de rato alegre no fubá e meus filhos que fiz o corte Playmobil, igual o dos bonecos. Se fico com o cabelo grande chamam de cabelo de argentino. Sinto que estou perdendo a moral.

Tô na vida, tô na luta, para o que não vier e o que aparecer. Me sinto feliz dia sim outro não, com sáude, inteiro, em paz comigo mesmo. Amo e sou correspondido. Tenho uma família pequena, longe, mas ligada e antenada pelo afeto, mais próximos afetivamente do que muita gente que vive perto.

O que espero da vida? Viver !

Espero fazer o que eu gosto e ter amor por muitos anos mais, se assim que tiver que ser.

Se não for assim é porque não teria que ser. Sem churumelas.

Com licença, tô indo em frente..., vamos?

domingo, 25 de outubro de 2015

Os 10 maiores poemas dos últimos 200 anos - Revista Bula

Carlos Willian Leite Carlos William Leite

Em pesquisa realizada entre os seus leitores a Revista Bula, selecionou os 10 poemas abaixo como os maiores dos últimos 200 anos. Claro, que houveram discordâncias, e muitos outros poetas e poemas foram citados pelos leitores.

Os 10 poemas abaixo, foram os que receberam mais citações.

Os 10 maiores poemas dos últimos 200 anos

1 — A Terra Desolada
(T. S. Eliot)

Abril é o mais cruel dos meses, germina
Lilases da terra morta, mistura
Memória e desejo, aviva
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
O inverno nos agasalhava, envolvendo
A terra em neve deslembrada, nutrindo
Com secos tubérculos o que ainda restava de vida.
O verão; nos surpreendeu, caindo do Starnbergersee
Com um aguaceiro. Paramos junto aos pórticos
E ao sol caminhamos pelas aleias de Hofgarten,
Tomamos café, e por uma hora conversamos.
Big gar keine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch.
Quando éramos crianças, na casa do arquiduque,
Meu primo, ele convidou-me a passear de trenó.
E eu tive medo. Disse-me ele, Maria,
Maria, agarra-te firme. E encosta abaixo deslizamos.
Nas montanhas, lá, onde livre te sentes.
Leio muito à noite, e viajo para o sul durante o inverno.
Que raízes são essas que se arraigam, que ramos se esgalham
Nessa imundície pedregosa? Filho do homem,
Não podes dizer, ou sequer estimas, porque apenas conheces
Um feixe de imagens fraturadas, batidas pelo sol,
E as árvores mortas já não mais te abrigam,
nem te consola o canto dos grilos,
E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca. Apenas
Uma sombra medra sob esta rocha escarlate.
(Chega-te à sombra desta rocha escarlate),
E vou mostrar-te algo distinto
De tua sombra a caminhar atrás de ti quando amanhece
Ou de tua sombra vespertina ao teu encontro se elevando;
Vou revelar-te o que é o medo num punhado de pó.
(Trecho de “Terra Desolada”, de T. S. Eliot. Tradução de Ivan Junqueira)

2 — Tabacaria
(Fernando Pessoa)

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
(Trecho de “Tabacaria”, de Fernando Pessoa)

3 — A Máquina do Mundo
(Carlos Drummond de Andrade)

E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas.
(Trecho de “A Máquina do Mundo”, de Carlos Drummond de Andrade)

4 — Os Homens Ocos
(T. S. Eliot)

Nós somos os homens ocos
Os homens empalhados
Uns nos outros amparados
O elmo cheio de nada. Ai de nós!
Nossas vozes dessecadas,
Quando juntos sussurramos,
São quietas e inexpressas
Como o vento na relva seca
Ou pés de ratos sobre cacos
Em nossa adega evaporada
Fôrma sem forma, sombra sem cor
Força paralisada, gesto sem vigor;
Aqueles que atravessaram
De olhos retos, para o outro reino da morte
Nos recordam — se o fazem — não como violentas
Almas danadas, mas apenas
Como os homens ocos
Os homens empalhados.
II
Os olhos que temo encontrar em sonhos
No reino de sonho da morte
Estes não aparecem:
Lá, os olhos são como a lâmina
Do sol nos ossos de uma coluna
Lá, uma árvore brande os ramos
E as vozes estão no frêmito
Do vento que está cantando
Mais distantes e solenes
Que uma estrela agonizante.
Que eu demais não me aproxime
Do reino de sonho da morte
Que eu possa trajar ainda
Esses tácitos disfarces
Pele de rato, plumas de corvo, estacas cruzadas
E comportar-me num campo
Como o vento se comporta
Nem mais um passo
— Não este encontro derradeiro
No reino crepuscular
(Trecho de “Os Homens Ocos”, de T.S. Eliot. Tradução de Ivan Junqueira)

5 — Velejando para Bizâncio
(William Buttler Yeats)

Aquela não é terra para velhos. Gente
jovem, de braços dados, pássaros nas ramas
— gerações de mortais — cantando alegremente,
salmão no salto, atum no mar, brilho de escamas,
peixe, ave ou carne glorificam ao sol quente
tudo o que nasce e morre, sêmen ou semente.
Ao som da música sensual, o mundo esquece
as obras do intelecto que nunca envelhece.
Um homem velho é apenas uma ninharia,
trapos numa bengala à espera do final,
a menos que a alma aplauda, cante e ainda ria
sobre os farrapos do seu hábito mortal;
nem há escola de canto, ali, que não estude
monumentos de sua própria magnitude.
Por isso eu vim, vencendo as ondas e a distância,
em busca da cidade santa de Bizâncio.
Ó sábios, junto a Deus, sob o fogo sagrado,
como se num mosaico de ouro a resplender,
vinde do fogo santo, em giro espiralado,
e vos tornai mestres-cantores do meu ser .
Rompei meu coração, que a febre faz doente
e, acorrentado a um mísero animal morrente,
já não sabe o que é; arrancai-me da idade
para o lavor sem fim da longa eternidade.
Livre da natureza não hei de assumir
conformação de coisa alguma natural,
mas a que o ourives grego soube urdir
de ouro forjado e esmalte de ouro em tramas,
para acordar do ócio o sono imperial;
ou cantarei aos nobres de Bizâncio e às damas,
pousado em ramo de ouro, como um pássaro,
o que passou e passará e sempre passa.
(Trecho de “Velejando para Bizâncio”, de William Buttler Yeats. Tradução de Augusto de Campos)

6 — À Espera dos Bárbaros
(Konstantinos Kaváfis)

O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje.
Que leis hão de fazer os senadores?
Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje.
O nosso imperador conta saudar
o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
um pergaminho no qual estão escritos
muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje,
tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?
(Trecho de “À Espera dos Bárbaros”, de Konstantinos Kaváfis. Tradução de José Paulo Paes)

7 — O Cemitério Marinho
(Paul Valéry)

Esse teto tranquilo, onde andam pombas,
Palpita entre pinheiros, entre túmulos.
O meio-dia justo nele incende
O mar, o mar recomeçando sempre.
Oh, recompensa, após um pensamento,
Um longo olhar sobre a calma dos deuses!
Que lavor puro de brilhos consome
Tanto diamante de indistinta espuma
E quanta paz parece conceber-se!
Quando repousa sobre o abismo um sol,
Límpidas obras de uma eterna causa
Fulge o Tempo e o Sonho é sabedoria.
Tesouro estável, templo de Minerva,
Massa de calma e nítida reserva,
Água franzida, olho que em ti escondes
Tanto de sono sob um véu de chama,
— Ó meu silêncio!… Um edifício na alma,
Cume dourado de mil, telhas, teto!
Templo do Templo, que um suspiro exprime,
Subo a este ponto puro e me acostumo,
Todo envolto por meu olhar marinho.
E como aos deuses dádiva suprema,
O resplendor solar sereno esparze
Na altitude um desprezo soberano.
Como em prazer o fruto se desfaz,
Como em delícia muda sua ausência
Na boca onde perece sua forma,
Aqui aspiro meu futuro fumo,
Quando o céu canta à alma consumida
A mudança das margens em rumor.
(Trecho de “O Cemitério Marinho”, de Paul Valéry. Tradução de Darcy Damasceno)

8 — Hugh Selwyn Mauberly
(Ezra Pound)

Vai, livro natimudo,
E diz a ela
Que um dia me cantou essa canção de Lawes:
Houvesse em nós
Mais canção, menos temas,
Então se acabariam minhas penas,
Meus defeitos sanados em poemas
Para fazê-la eterna em minha voz
Diz a ela que espalha
Tais tesouros no ar,
Sem querer nada mais além de dar
Vida ao momento,
Que eu lhes ordenaria: vivam,
Quais rosas, no âmbar mágico, a compor,
Rubribordadas de ouro, só
Uma substância e cor
Desafiando o tempo.
Diz a ela que vai
Com a canção nos lábios
Mas não canta a canção e ignora
Quem a fez, que talvez uma outra boca
Tão bela quanto a dela
Em novas eras há de ter aos pés
Os que a adoram agora,
Quando os nossos dois pós
Com o de Waller se deponham, mudos,
No olvido que refina a todos nós,
Até que a mutação apague tudo
Salvo a Beleza, a sós.
(Trecho de “Hugh Selwyn Mauberly”, de Ezra Pound. Tradução de A. de Campos)

9 — Poema em Linha Reta
(Fernando Pessoa)

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida…
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos — mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
(Trecho de “Poema em Linha Reta”, de Fernando Pessoa)

10 — Poema Sujo
(Ferreira Gullar)

turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica
e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
tua gengiva igual a tua bocetinha
que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor
e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo
(não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era…
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
(Trecho de “Poema Sujo”, de Ferreira Gullar)

Siga revistabula.com

Somos todas Valentina - Ruth de Aquino

 Ruth de AquinoRuth de Aquino - Colunista da revista Época

Reproduzo abaixo o texto de Ruth de Aquino publicado na revista Época sobre os ataques desleais, bestificados, desqualificados e covardes, praticados contra uma menina de 12 anos.

Apareceram outros idiotas que escondidos por anonimatos ou não, tentaram fazer pilhérias com piadas e frases que demonstram claramente o quanto são doentes ou não tiveram a devida educação em suas famílias.

Abomino esses cretinos que se acham no direito de macular a infância de uma criança, jovem, mulher.

Será que eles tratam assim as suas mães e irmãs? 

Segue o texto de Ruth de Aquino:
É impressionante como, depois de tanta luta, a menina-moça-mulher ainda é intimidada
                                    
Ruth de Aquino, ÉPOCA

Valente Valentina, o assédio sexual e cretino a sua beleza, nas redes sociais, não pode fazer tremer suas mãos quando você criar novos pratos no MasterChef Júnior. Aos 12 anos, você, sem querer, apenas por ser linda e charmosa, despertou tarados que estão por aí, escondidos na pele de filhos, maridos e pais normais. Pedófilos e potenciais estupradores se expuseram no Twitter, protegidos ou não por apelidos. Assustaram seu pai, Alexandre. Ele estava preparado para o encantamento que você espalha, não para sujeira. “Teve gente que pediu que ela mandasse foto nua”, disse. Ele apagou tuítes ofensivos. Ele tenta proteger você, Valentina, da malícia do mundo.

Menina, uma hora você saberá que, por um tempo, uniu o gênero feminino em torno de seu nome. Valentina, você não é vítima. Não somos vítimas por ser mulheres. Você aprenderá que o feminismo ainda é necessário no século XXI. Para defender nossa autodeterminação e autoestima, nossos direitos e escolhas, numa sociedade ainda patriarcal. Não adianta omitir seu nome, nem cortar seus cabelos ou cobrir seu corpo de cima a baixo com roupas pouco atraentes. Você perceberá que a menina-moça-mulher continua a ser discriminada em vários momentos da vida e tem de reagir.

Ainda vai encarar muitas brigas, Valentina. Já devem mexer com você na rua quando sai sozinha. Na sua idade e muito depois, meus sentimentos variavam entre o medo e o desafio. Mudava de calçada quando via grupos de rapazes, para evitar o assédio, o desconforto ou a humilhação. Às vezes, xingava alto quem me dizia coisas, quem insinuava convites ou mexia no meu cabelo e pegava meu braço, para denunciá-lo, para expor meu nojo e sua doença.

É impressionante como, depois de tanta luta, desde o direito a votar, ou a usar calças compridas, ou a desamarrar o espartilho, ou a controlar a fertilidade, ou a trabalhar... é impressionante como a menina-moça-mulher ainda é intimidada ou ameaçada. Nem falo de países que obrigam meninas a casar com estranhos ou matam a chibatadas mulheres que traem. Acho incrível que os direitos femininos continuem em questão. Direito de ser bonita, de ser sensual, de usar saia curta, direito de ser feia, de ser velha, direito de não casar, direito de se dedicar aos filhos e à casa, direito de não ser mãe, de amamentar ou não, de insistir em parto normal ou escolher cesárea, direito de abortar, direito de transar com muitos, direito ao prazer, direito de pintar os cabelos ou deixá-los brancos, direito de ser ambiciosa ou não, direito de ganhar bem e ser promovida, direito de não ser assediada por chefes.

É muita patrulha contra as escolhas femininas. A patrulha não é só masculina. Mulheres também patrulham mulheres. Mulheres patrulham a si próprias. Uma autocrítica descabida e injusta. Filhas patrulham mães e vice-versa.

Mas, semana passada, o ataque veio de homens. Não só no Twitter. Não vou reproduzir os comentários excitados com a visão de Valentina. Por que as mulheres reagiram em massa? É só ler os depoimentos de #primeiroassedio, uma campanha criada pelo coletivo Think Olga, e ler lembranças femininas dolorosas aos 4, 9, 13 anos, em casa e na rua. Lembranças que falam de garotos e homens, da família ou estranhos, metendo a mão, passando a mão, falando sacanagens, deflorando tudo, a inocência, o corpo, a mente. Muitos homens reagiram também nas redes sociais, xingando de “babacas” os que chamavam Valentina de “uma mulher de 12 anos”.

Não foi só esse episódio que me fez lembrar que continuo feminista. O outro ataque veio de engravatados, na Câmara. Um projeto retrógrado, elaborado pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha, aprovado pela CCJ, Comissão de Constituição e Justiça, com apoio sobretudo da bancada evangélica. E suspeito que seja só o começo. O texto dificulta o aborto legal por estupro, ao fazer novas exigências à mulher estuprada – ela não poderá ser atendida em hospitais sem que antes faça exame de corpo de delito no IML e registre a denúncia na delegacia.

O texto proíbe “medicamentos abortivos”. Deixa assim em aberto a possível proibição, na rede pública, da pílula do dia seguinte para vítimas de estupro, caso a pílula seja considerada abortiva. Isso significa que o projeto de Cunha poderá obrigar a menina-moça-mulher violentada a engravidar, para, depois, abortar. Nada mais cruel. O texto ainda transforma em crime a “indução” ao aborto ou a “informação” sobre o aborto. Seja você amigo ou médico, poderá ser preso se aconselhar ou informar. Típico de sociedades obscurantistas. Em vez de evoluir, o Brasil está rasgando direitos reprodutivos da mulher conquistados no século passado.

Não podemos esquecer: #somostodasvalentes.

MasterChef Júnior (Foto: Carol Gherardi / TV Band)MasterChef Júnior (Foto: Carol Gherardi / TV Band)

Os monstros que carregamos: reflexões acerca da depressão - Raquel Aviolo

Artigo do OBVIUS, publicado em sociedade por

A depressão é vista como um dos principais males da modernidade, mas a doença está presente ao longo da história como uma das mais frequentes formas de desequilíbrio em seres humanos. Aventure-se em uma breve análise intimista do monstro conhecido por matar lentamente, e com requintes de crueldade
Girl-Interrupted.jpg
“Um, dois, três... vá, você consegue. Você não apenas consegue, você também precisa. Um, dois, três... por favor, vamos, você não tem o dia inteiro.”

A frase acima assemelha-se ao discurso de alguém que tenta escalar uma montanha ou atingir alguma meta que requere esforço anormal, mas é só o tipo de coisa que um indivíduo deprimido fala para si mesmo ao tentar levantar da cama num dia comum. A depressão não é algo poético, ao contrário do que muitos pensam, e não é assunto para ser romantizado. Há um mito que cerca a condição, e ele precisa ser extinto. A depressão não ajuda pessoas criativas. O sofrimento pode inspirar, mas a depressão paralisa. É uma doença cruel, dolorosa e insidiosa, que leva o hospedeiro a ter vontade de pedir ajuda para tomar banho, pentear cabelos e escovar os dentes: ela leva embora a energia vital presente em cada um de nós, transformando tarefas simples como se alimentar em tarefas complicadas como erguer um monumento. É uma máxima: não há beleza na depressão.

Muitas vezes os incentivos não geram resultados, todo e qualquer esforço falha ou parece falhar, e a desistência se apresenta como a única saída viável. Após a ideia da desistência criar raízes firmes, a idealização do grand finale, o suicídio, parece se formar na mente do doente, límpida e nítida como uma pintura ou até mesmo como um filme.

Os mais diversos cenários são imaginados: do envenenamento (costuma ser descartado, pode ser extremamente doloroso e falho) até o tiro fatal da misericórdia, da auto-defenestração até a overdose, tudo é levado em consideração. Os prós e contras são ponderados. É possível que o deprimido considere que é melhor deixar o tiro pra lá, afinal, ninguém gosta de limpar sujeira, e morrer de forma serena não parece uma má ideia. Para completar, conseguir uma arma não é muito fácil em grande parte dos casos. Infelizmente, muitos doentes abraçam algum dos métodos, o método escolhido decide abraçar de volta, e é assim que o monstro consegue mais um soldado para seu exército em constante expansão.

the-starry-night-1889(1).jpg

Mas é difícil que pessoas vivas cometam suicídio: a maior parcela dos suicidas é constituída de mortos que caminham entre os vivos, até que se cansam do ciclo vicioso e estabelecem o que acreditam ser um fim definitivo para a dor.

Ainda bastante incompreendida, a condição leva os portadores a serem vítimas de preconceitos e julgamentos, estes que são alguns dos principais aspectos sociais da doença. Além de suportarem diversos martírios dentro de si mesmos, depressivos são julgados “preguiçosos”, “inúteis”, muitas vezes escutam insultos de pessoas próximas, aquelas que deveriam ajudar e cuidar: “Levante daí, você não cansa de ficar nessa cama o dia inteiro?”, “E então, quando você vai decidir fazer algo da sua vida?”, “Você parece bem, não parece doente, está rindo, será que não poderia fazer algo que preste?”, “Me poupe, isso não passa de frescura”.

Além disso, é comum que pessoas deprimidas não suportem ouvir o termo “reagir”. “Reaja!”, o mundo parece gritar em uníssono. Por favor, parem. É uma situação extremamente delicada. Não é assim que funciona, não foi e nunca será. Depressão não é tristeza. Estamos reagindo, mas estamos acorrentados, e do que adianta tentar fugir quando seu carcereiro decidiu te acorrentar? O único resultado que será possível obter é o cansaço, e nossos corpos já não comportam mais qualquer adição de cansaço. Estamos fazendo o possível.

Loneliness.jpg

Não há depressão que seja igual. Diferentemente da gripe ou de qualquer outro vírus terrível que possa torturar nossos corpos, a depressão é única para cada portador, o que faz dela um martírio solitário. É a doença da solidão, do isolamento, e, por fim, da ausência de amparo. Muitas pessoas deprimidas são abandonadas ou ignoradas por seus familiares, cônjuges e amigos quando mais precisam de conforto e ajuda. As pessoas cansam e vão embora. Não queremos dar trabalho, não queremos causar desconforto, mas precisamos de amor. Não pedimos para ter uma doença. Da mesma forma que alguém não escolhe um câncer, não escolhemos desenvolver a depressão.

O amor é um aliado porque nos fortalece, e nos torna mais esperançosos no que tange a luta diária por coisas que não deveriam envolver lutas: é como se, ao sentirmos que somos amados, estivéssemos lutando com um propósito que não é apenas o de permanecermos vivos. Se você conhece alguém que sofre de depressão, demonstre compaixão. Desenvolva sua empatia, ela pode salvar uma vida. Se você sofre de depressão, tente buscar o amor. Se não o encontrar no outro, busque-o dentro de si.

Como se não fosse doloroso o suficiente o fato de estarmos sendo julgados com frequência, também ocorre de sermos interpretados das piores formas possíveis. O inferno parece não ter fim: se elaboramos alguma desculpa para não sairmos de casa em determinado dia, somos péssimos amigos. Mas não somos, na verdade. Acreditem que zelamos por nossas amizades, acontece que não queremos preocupar ninguém ao sermos obrigados a dizer coisas como “desculpe, hoje não, talvez na semana que vem, sabe, faz três dias que tento sair da cama e não consigo, mas hoje consegui ir até a cozinha e fazer um lanche, de tanta felicidade por ter feito isso eu poderia dançar frevo se tivesse alguma energia restante”. Ou então: “não acho que é uma boa ideia ir naquele encontro de hoje, eu acabo de ter uma crise de choro no chão do meu quarto e agora estou deitada em posição fetal”. A maioria das vítimas da depressão crê que é bom evitar contribuir para que sejam vistas como “loucas”, e omitem detalhes de suas lutas diárias contra a doença na tentativa de sentirem-se mais “normais”.

Gena-Rowlands.jpg

Mas, afinal, o que é a normalidade? O que é normal para um peixe é completamente insano para uma zebra. Os conceitos de “loucura” e “normalidade” foram bastante distorcidos ao longo da história da humanidade, e, em todo caso, são tão relativos e complexos quanto o conceito de “perfeição”: se o que é perfeito para um não é perfeito para outro, a perfeição absoluta não existe. E a tentativa de se enquadrar no padrão do supostamente “perfeito” ou até mesmo da “normalidade” é uma grande armadilha. Não é possível se enquadrar no que não existe. De perto, somos todos uns loucos, e nem toda loucura é algo negativo.

A depressão é traiçoeira, e costumo compará-la com uma árvore repleta de galhos. Dificilmente um deprimido será apenas um deprimido. Muitas vezes ele também é ansioso, é bipolar, é borderline, é obsessivo-compulsivo, é anoréxico, é bulímico, é vítima de transtorno do estresse pós-traumático, é esquizofrênico. Há uma miríade de condições que podem acompanhar a depressão, e elas caminham lado a lado, em algo que pode ser visto como uma espécie de complô para drenar a vida da vítima.
Muitas vítimas da depressão insistem no fato de que, na verdade, não estão doentes, não estão deprimidas, não precisam de ajuda, mas estas pessoas não apenas estão deprimidas como também possuem outras condições eclodindo no fundo de suas mentes: condições tão complicadas e dolorosas quanto a depressão em si.

Por experiência própria, é válido ressaltar que a meditação pode ser como o oásis no deserto da tormenta para algumas pessoas. Foi o meu caso. Através dela, é possível reestabelecer um tipo de conexão com seu verdadeiro eu, conexão esta que é muitas vezes destruída pela depressão, fazendo com que o deprimido sinta-se “completamente perdido” e não saiba para onde ir, quem procurar ou o que fazer. A meditação leva clareza para onde há escuridão: é como a amiga solícita que bate na sua porta e te entrega uma lanterna ao ver que faltou luz em sua casa. Há os que preferem antidepressivos, mas a eficiência de tais medicamentos é propensa a questionamentos e é tema de debates acirrados entre psiquiatras: apesar de algumas obterem verdadeiro êxito, nem todas as pessoas respondem bem ao tratamento com intervenção medicamentosa. Sempre nutri certa recusa ao tratamento com auxílio de fármacos por medo de virar uma escrava das companhias farmacêuticas, que, segundo algumas pessoas, tratam clientes, e não doentes. A última coisa que preciso, eu costumava dizer para mim mesma no auge da dor, é virar dependente química agora: já estou no meio de uma luta e não creio ser necessário participar de outra.

Meditation.jpg

Por ser natural, procurei refúgio na meditação, e descobri que é possível estabelecer paz no caos. É possível decorar o abismo de forma a torná-lo habitável, e o resgate não é imediato, mas ele acontece. E, quando você menos espera, pode se ver fora do abismo pela primeira vez em muito tempo. É uma sensação única, talvez inigualável, e pode ser comparada com o ato de receber um novo par de olhos: é como enxergar o mundo pela primeira vez novamente.

Talvez um dia os grandes cientistas desenvolvam a arma definitiva para aniquilar o monstro para sempre.

Até lá, resta a luta.

Freedom.jpg

Texto publicado originalmente no site:


© obvious: http://obviousmag.org/raquel_avolio/2015/os-monstros-que-carregamos-reflexoes-acerca-da-depressao.html#ixzz3pbbyr016
Follow us: @obvious on Twitter | obviousmagazine on Facebook

Coisas que nenhum mineiro te contou - Luana Simonini

Quem nasceu em Minas Gerais ou em quem Minas Gerais nasceu dentro do peito sabe como é bom ser mineiro. Uma crônica em forma de verso ou um dedo de prosa na cozinha de casa, esse texto é, na verdade, uma homenagem a quem tem um trem batendo no lugar do coração.

OuroPreto.jpg

Ser mineiro é comer quieto o fim das palavras. Mineiro que é mineiro tem fome de sílaba e deve ser por isso que guarda dentro do peito poemas inteiros. Entre tantas letras embaralhadas, o vagão das ideias se perde e a coisa vira trem, ou o trem vira coisa.

É, o trem tá feio.

Ser mineiro é escutar no silêncio uma prosa bonita e musicar em sotaque frases curtas. O mineiro não fala, ele canta com um sorriso tímido no canto da boca.
Nem todo mineiro é tímido, mas todo mineiro carrega o charme da timidez. Das bochechas coradas, do sorriso amarelo que ganha novas cores num piscar de olhos abertos, bem abertos.
Mineiro parece não gostar de elogio, mas gosta, pode apostar. Sempre retruca, mas cá dentro tá todo feliz.

São seus olhos. Ele diz.

Mineiro se esconde em suas montanhas, mas desmorona em abraço apertado. Chora água doce e se derrama em cachoeira.

Ser mineiro é fazer da cozinha a melhor parte da casa. Receber os amigos com mesa farta. Mineiro tem mesmo fome seja de letra ou de amor.

O mineiro não se apaixona “pelas” pessoas e, sim, “com” as pessoas. Ser mineiro é sentir as coisas sem dar nome. É se confundir entre dois ou três beijinhos quando conhece alguém.

São três pra casar.

Ser mineiro é passar a noite inteira em um ônibus e ainda não sair de Minas. As montanhas parecem continentes, mas fazem tudo parecer pertim.

É logo ali.

Nunca confie em um “ali” de mineiro.

De resto, pode confiar. Seja nas reticências que ele não diz ou nos versos dos seus poemas inteiros.
Ser mineiro é saber que as melhores coisas da vida não são coisas.


Luna Simonini

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo

Internet: páginacultural.com.br 

“Deflagrou um incêndio nos bastidores de um teatro. O palhaço apresentou-se para dizê-lo aos espectadores.
 Estes julgaram tratar-se de uma piada e aplaudiram.
 Ele falou-lhes novamente, e eles acharam ainda mais engraçado.
 É desta forma, penso eu, que o mundo será destruído – entre a universal hilaridade de avisos e acenos que são encarados como piada.”
(KIERKEGAARD)


Søren Aabye Kierkegaard (Copenhague5 de maio de 1813 — Copenhague, 11 de novembro de 1855) foi um filósofo e teólogo dinamarquês.

Dicas de leitura




Foto: Blog Falcão de Jade

Nos últimos meses investi mais tempo em me deliciar com a leitura.

Li os 3 volumes da obra de Ken Follet, A Trilogia do Século - Inverno do mundo, Queda de gigantes, Eternidade por um fio  e Um lugar chamado liberdade.

Do autor Émile Zola - Germinal. De Lúcio Cardoso - Crônica de uma casa assassinada e acabei de ler Mulheres apaixonadas de D.H. Lawrence.

Reli, O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. Tocaia Grande, Os velhos marinheiros ou O capitão de longo curso, de Jorge Amado e Leite derramado, de Chico Buarque (achei fraco).

Um total de 9423 páginas lidas.

Fiquei com uma sensação de Ken Follet "bebeu" na literatura de Érico veríssimo quanto ao estilo de se narrar as histórias. Leiam e avaliem. Mistura de ficção com fatos reais, personagens fictícias e reais, evolução das famílias e seus entrelaçamentos e envolvimento nos fatos históricos.

Os livros de Ken Follet são de uma leitura que te domina e cria uma vontade de ler o mais rápido possível para conhecer o final das histórias e o que virá pela frente. Uma cachaça, até parece que você está com um Iphone nas mãos, não para de ler e digitar nunca.

Germinal e Mulheres apaixonadas, assim como os livros de Ken Follet (1º volume da trilogia e Um lugar chamado liberdade), são histórias narradas em períodos, tanto na Inglaterra ou na  França, sobre as mineradoras de carvão cujo produto (carvão)  era o combustível fóssil mais usado, para mover  e aquecer o mundo.

O Tempo e o Vento de Érico Veríssimo, é sem dúvida nenhuma, para mim, a sua obra mestre e definitiva sobre o Rio Grande do Sul.

Quanto as belas obras de Jorge Amado e Lúcio Cardoso, são livros para se ter e reler de tempos em tempos.

Leite derramado de Chico, reli para confirmar o que já tinha achado. É fraco.

Recomendo a leitura dos livros acima, exceto o do Chico.

Boa leitura.

domingo, 18 de outubro de 2015

Se Eu Quiser Falar Com Deus - Gilberto Gil

Para mim, essa é uma das poucas músicas de Gil que eu gosto, e gosto muito. É um momento de reflexão esse encontro com o Deus de cada um.

Cada um tem o seu Deus, conforme a sua visão, necessidade de amparo, busca, fuga, desculpas, para obter forças, para enfrentar as vicissitudes da vida ou para acomodação. "Deus quis assim fazer o que?", "Tem que ser como Deus quer", "Esperar que Deus me ajude e resolva os "pobremas", "poblemas" ou "probremas".

Cada um vê e curte o seu Deus, conforme sua crença. Fala com ele, acredita e credita todas as suas lutas e conquistas pessoais somente a Deus, muitas vezes, nunca acreditando em si e seus esforços. A todo momento cita Deus, todas as falas terminam com Deus. Eu tenho um certo desconforto e fico admirado com esse uso exagerado de Deus.

Muitos usam Deus, para explicar e justificar seus atos, o que ignoram, o desconhecido. Deus foi criado para tentar explicar o inexplicável. Cada um tem o Deus que deseja e segue a fé que acredita. Cada um sabe de si.

Tenho avaliado essa busca, a minha, por Deus. Tenho algumas conclusões. Não o encontrei ainda pessoalmente, não sei quem é. Nunca vi uma certidão de registro de seu nascimento. Não sei sua origem.
Mas já ouvi algumas de suas ideias.

De uma coisa eu tenho certeza. Ele não gosta de templos ricos e suntuosos, nem de qualquer tipo de templo ou imagens. Ele não precisa ser confinado a quatro paredes, gosta de ficar livre, leve e solto.

Não aprova representantes de qualquer tipo e credo.

Não precisa que profissionais da fé tentem falar em seu nome, como se fossem seus legítimos representantes, que usam roupas caras, bordadas a ouro, há Cardeal usando veste de grife, cabelos bem cortados, bem produzidos para impressionar pela imagem. Pessoas, muitas vezes, sem experiência de ter tido uma mulher, um lar, filhos, trabalho, que se acham capacitadas para dizer o que o outro deva fazer.

Não aprova os falsos líderes religiosos, muitos mal- intencionados, que cometem abusos sexuais contra indefesos, que se aproveitam de sua posição para influenciar e obter vantagens financeiras sobre pessoas que mal ganham para viver. 
Que condenam a televisão como máquina do diabo, mas possuem uma escondida em sua casa. Ou até mesmo uma rede de TV. Que fazem verdadeiros shows e circos da fé arrecadores de dinheiro.

Não aprova suntuosidade, taças e peças de ouro, prata, jatos, helicópteros, carros importados blindados, casas luxuosas, adquiridos  com as "doações", para uso e benefícios dos profissionais da fé.

Não precisa e condena pagamento de dízimos e doações que aliviem a consciência de doadores, para sustento de verdadeiras empresas da fé. Lavagem de dinheiro, malas cheias de dinheiro circulando, evasão de divisas, isenção de impostos que oneram o contribuinte e que mantém o status de uma minoria. Para ele o estado deve ser laico.

Não precisa, menos ainda, de um potentado, país, sede de governo para sua morada ou ser cultuado.

Não necessita e nem apoia a mistura explosiva de política e religião, não prega o apoio a ditadores e opressores, partidos, grupos políticos e financeiros. Não aceita a junção de fé e poder. Nunca incentivou e incentiva guerras santas ou que a sua fé estivesse e esteja a serviço do poder.

Não quer que eu o tema.

Não quer que eu vire o rosto para receber outra agressão, ou que eu perdoe pessoas que me fazem o mal.

Deseja que eu viva bem  e feliz com a minha família e os verdadeiros amigos.

Orienta-me para que eu não prejudique as pessoas com objetivos de tirar benefícios pessoais e profissionais.

Que eu continue honesto, ético e viva a vida com muito prazer e felicidade.

Pede para não me frustrar com dificuldades e pessoas ruins, apenas que busque superá-las e esquecê-los. Virar a página da vida e seguir em frente.

Pede que eu não seja perfeito. Sobretudo, que eu cometa erros para que eu tente me aprimorar e crescer como pessoa.

Que eu seja o responsável pelos meus atos e não fuja de minhas responsabilidades.

Que eu faça sempre as críticas necessárias de forma equilibrada e que contribua com ideias e soluções.

Que não abra mão de meus princípios e direitos. Mas, que cumpra com os que cabem, respeitando os dos outros.

Que não aceite a violência e a não a pratique.

Que entenda que as minhas ideias, nem sempre, são as melhores ou que tenham que ser aceitas. Que procure entender e aceitar ideias,opiniões contrárias.

Que respeite as diversidades. Entendendo que não há brancos, negros, amarelos, índios, gays, lésbicas, ricos, pobres, de credos e posições políticas diferentes. Mas, seres humanos, que tem que ser respeitados e valorizados.

Que eu não tenha inveja do sucesso dos outros. Que eu busque ser, mais do que ter. Que eu tenha o que desejar, sem me perder, desde que seja para minha felicidade e obtido com o meu trabalho e honestamente.

Ajudar a quem eu possa e que mereça. Sem criar vícios e dependências. Não sentir culpa, caso não o faça ou possa fazê-lo.

Que eu trate e cuide bem dos animais assim como, de toda a natureza.

Para cuidar dos meus, olhá-los com amor. Orientá-los, motivá-los e dar-lhes muita luz e sabedoria de viver.

Que eu cuide de minha vida e saúde.

Que eu não o ocupe com coisas mesquinhas, pois ele tem muitas outras pessoas para olhar e que necessitam mais de seu apoio.

Espero que, quando encontrá-lo, pessoalmente, possamos bater um bom papo, descobrir coisas em comum e se torcermos para o mesmo time, aí será "Mamão com açúcar".

Esse é o Deus com quem converso sobre o Universo que habito. Que, assim ele seja. Já, que assim sou.



SE EU QUISER FALAR COM DEUS - Gilberto Gil - 1980

Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar



Dica enviada pela querida prima de "Xisdifora" - Áurea Maranduba