quinta-feira, 13 de março de 2014

Chá da tarde com Vinicius de Moraes


Vinicius de Moraes

Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Pátria Minha

A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
 Vinicius de Moraes.”

Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Soneto de Contrição

Eu te amo, Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.

Como a criança que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.

Não é maior o coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…

E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.

Não Comerei da Alface a Verde Pétala

Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem maior aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro: deem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

A Rosa de Hiroxima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

Soneto de Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela.

Essa mulher é um mundo! — uma cadela
Talvez… — mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Receita de Mulher

As muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de flor em tudo isso
Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como o âmbar de uma tarde. Ah, deixai-me dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteia em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem
No entanto sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior
A 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras
Do primeiro grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ela não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

Fotos: INTERNET - POEMAS: REVISTA BULA

Carta do marido

Foto:  Strikingmom.blogspot.com - Reprodução


Querida, está tudo em ordem durante sua ausência. Aquela senhora que você contratou para cuidar da casa durante a sua viajem ficou doente e não pode vir, mas estou me virando bem. Estou preparando meu próprio jantar. Só não estou limpando a casa nem lavando a roupa suja. Está dando tudo certo. Ontem fiz batata frita. Ficou bom. Era preciso descascar a batata? A panela de pressão ficou bem suja, aí a deixei de molho no sabão em pó com um pouco de WD. Quanto tempo precisa pra cozinhar ovos? Já deixei eles fervendo por duas horas, mas ficaram duros que nem pedra.. Da próxima vez, vou deixar menos tempo.

Ontem tive um contratempo cozinhando as ervilhas. Coloquei a lata no microondas e ele explodiu. Acho que tinha que abrir a lata, né? Mas hoje vou fazer um macarrão, que é bem mais fácil. Até já deixei ele de molho na água fria, pra cozinhar mais rápido, já que o micro-ondas quebrou. Já aconteceu contigo de a louça suja criar mofo? Como é possível isso acontecer em tão pouco tempo? Aliás, atrás da pia tem de tudo que é bicho, daqui a pouco vai dar pra fazer um documentário e vender pro Nacional Geografic. hehehehe, brincadeirinha!!!

No domingo eu emporcalhei o tapete persa com molho de tomate e mostarda do cachorro quente. Você sempre me dizia que mancha de molho de tomate não sai. Passei um pouco de gasolina que tirei do carro, e a mancha saiu. Ficou meio branco no lugar, mas arrastei o sofá em cima da mancha e nem dá pra perceber. Até você voltar, o cheiro deverá desaparecer.A geladeira estava criando muito gelo, então tive que fazer um defrost nela. O gelo sai fácil se você raspar ele com uma espátula de pedreiro! Ficou ótimo, foi fácil e rápido, agora a geladeira está gelando bem pouco, acho que vai demorar bastante pra juntar gelo de novo.

No mais, na última quinta-feira quando sai para o trabalho acho que me esqueci de trancar a porta. Alguém deve ter entrado no nosso apartamento porque estão faltando alguns objetos, inclusive aquele vaso de marfim que seu bisavô trouxe da África. Mas como você sempre diz o dinheiro não traz felicidade, e tudo que é material é efêmero. O seu guarda-roupa também está meio vazio, mas acho que não devem ter levado muita coisa, afinal você sempre diz que nunca tem nada pra vestir.

Ah, também não achei seus sapatos. Sei que está pensando nas suas plantas, mas eu estou molhando elas direitinho. Até fervi a água ontem, pois estava muito frio e achei que não ia fazer bem molhar elas com água fria.Beijos mil, com muito carinho, do seu querido Afonso.

PS: Sua mãe deu uma passada aqui pra ver como estavam as coisas. Ela entrou e começou a gritar, e daí sofreu um infarto. O velório foi ontem à tarde, mas preferi não te contar pra não te aborrecer à toa. Volte logo, estou com saudades....

DICA da amiga Glaucia Cintra, de Belo Horizonte

" Revolução da Alma“ - Aristóteles - 360 AC

Foto: INTERNET

Aristóteles, filósofo grego, escreveu este texto " Revolução da Alma“ no ano 360 A.C. e é eterno.

Ninguém é dono da sua felicidade, por isso não entregue sua alegria, sua paz sua vida nas mãos de ninguém, absolutamente ninguém. Somos livres, não pertencemos a ninguém e não podemos querer ser donos dos desejos, da vontade ou dos sonhos de quem quer que seja.
A razão da sua vida é você mesmo. A tua paz interior é a tua meta de vida, quando sentires um vazio na alma, quando acreditares que ainda está faltando algo, mesmo tendo tudo, remete teu pensamento para os teus desejos mais íntimos e busque a divindade que existe em você. Pare de colocar sua felicidade cada dia mais distante de você.
Não coloque objetivo longe demais de suas mãos, abrace os que estão ao seu alcance hoje. Se andas desesperado por problemas financeiros, amorosos, ou de relacionamentos familiares, busca em teu interior a resposta para acalmar-te, você é reflexo do que pensas diariamente. Pare de pensar mal de você mesmo(a), e seja seu melhor amigo(a) sempre.
Sorrir significa aprovar, aceitar, felicitar. Então abra um sorriso para aprovar o mundo que te quer oferecer o melhor.
Com um sorriso no rosto as pessoas terão as melhores impressões de você, e você estará afirmando para você mesmo, que está "pronto" para ser feliz.
Trabalhe, trabalhe muito a seu favor.
Pare de esperar a felicidade sem esforços.
Pare de exigir das pessoas aquilo que nem você conquistou ainda.
Critique menos, trabalhe mais.
E, não se esqueça nunca de agradecer.
Agradeça tudo que está em sua vida nesse momento, inclusive a dor.
Nossa compreensão do universo, ainda é muito pequena para julgar o que quer que seja na nossa vida.
"A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las."

Dica de Eric Cohen - Professor na empresa FCA - UNICAMP

Invocação Wicca para a Lua - José Antônio Abreu de Oliveira


Foto:UNIVERSO 
  Lua cheia espiando a minha janela - Belo Horizonte - Minas Gerais- Brasil.

Ontem, quando reparei nas montanhas dela.

Eu bebia um suco de pêssego, numa taça, e me imaginei um bruxo, invocando os eflúvios lunares para dentro do recipiente. E recitei :

Ó pregnante, orvalhada Lua a navegar pelos céus, 
Que brilha para todos, 
Que fui através de todos,
Luz do mundo.
Donzela, Mãe, Anciã, 
Ser criativo, Ser refrescante
Isis, Astartéia, Cibele
kore, Ceridwen, Levanah 
Luna, Maria, Ana 
Riannon, Selene, Deméter, Mab 
Olhe com nossos olhos, ouça com nossos ouvidos, 
Toque com nossas mãos, respire com nossas narinas, 
Beije com nossos lábios, abra nossos corações, 
Toque-nos, Transforme-nos, Faça-nos um todo.

É uma invocação Wicca. Mas depois me lembrei que não tinha um chapéu, daí não adiantou nada! E eu nem acredito em nada disso, mas que é interessante, é!

Minas Enigma - Fernando Sabino

Foto: UNIVERSO - BIRIBIRI - DIAMANTINA - MINAS GERAIS - BRASIL

Se sou mineiro? Bem, é conforme, dona. (Sei lá por que ela está
perguntando?) Sou de Belzonte, uai.

Tudo é conforme. Basta nascer em Minas para ser mineiro? Que diabo é
ser mineiro, afinal? Inglês misturado com oriental? É fumar cigarro de
palha, como o poeta Emílio, de Dores do Indaiá? Autran fuma cachimbo.
Tem até quem fume cigarro americano. (No bairro do Calafate havia uma
fábrica de "Camel".) Em suma: ser mineiro é esperar pela cor da
fumaça. É dormir no chão para não cair da cama. É plantar verde pra
colher maduro. É não meter a mão em cumbuca. Não dar passo maior que
as pernas. Não amarrar cachorro com lingüiça.

Porque mineiro não prega prego sem estopa. Mineiro não dá ponto sem
nó. Mineiro não perde trem.
Mas compra bonde.
Compra. E vende pra paulista.

Evém mineiro. Ele não olha: espia. Não presta atenção: vigia só. Não
conversa: confabula. Não combina: conspira. Não se vinga: espera. Faz
parte do decálogo, que alguém já elaborou. E não enlouquece: piora. Ou
declara, conforme manda a delicadeza. No mais, é confiar desconfiando.
Dois é bom, três é comício. Devagar que eu tenho pressa.

Apólogo mineiro: o boi velho e o boi jovem, no alto do morro — lá
embaixo uma porção de vacas pastando. O boizinho, incontido:
— Vamos descer correndo, correndo e pegar umas dez?
E o boizão, tranqüilamente:
— Não: vamos descer devagar, e pegar todas.
Mais vale um pássaro na mão. A Academia Mineira, há tempos, pagava um
jeton ridículo: duzentos cruzeiros — antigos, é lógico. Um dos
imortais, indignado, discursava o seu protesto:
— Precisamos dar um jeito nisso! Duzentos cruzeiros é uma vergonha! Ou
quinhentos cruzeiros, ou nada!
Ao que um colega prudentemente aparteou:
— Pera lá: ou quinhentos cruzeiros, ou duzentos mesmo.

Quem nasce em Três Corações é tricordiano — haja vista Pelé. Quem
nasce em Barbacena tem de escolher a Maternidade: ou é do Zezinho ou
do Bias. E a Manchester Mineira, terra do Murilo Mendes? O poeta Nava
foi-se embora: "parabéns a Pedro Nava, parabéns a Juiz de Fora".
Itabira, calçada de ferro: não aceitou chamar-se Presidente Vargas,
continuou digna do itabirano Carlos. E Ouro Preto continua digna de
ser vista: ali é a casa do Rodrigo; Renato de Lima, ex-delegado e
pianista amador, pintando junto à Casa dos Contos. Afonso é de
Paracatu. Em Sabará nasceram Lúcia e Aníbal, além de outros ilustres
Machados. Alphonsus, o solitário de Mariana. Os profetas de Congonhas.
A cidade de Tiradentes — o que não tinha barbas. O Aleijadinho não
tinha mãos. São João del Rei, onde nasceu Otto, o que morrerá batendo
papo. Solidário só no câncer? Absolutamente, dona: nas virtudes
também, uai. Haja vista a Tradicional Família Mineira, que Deus a
tenha. As estações de águas: lembrança de São Lourenço, escrito num
copinho. E Lambari, terra de Henriqueta! Monte Santo tem a rua mais
iluminada do mundo. E uma ambulância com sirene, que seu filho
Castejon arranjou. Itaúna fica num quarto andar do Leblon, no
apartamento de Marco Aurélio, o bom. Jeremias, outro bom, mineiro como
Ziraldo. Os bonecos de Borjalo só ganharam boca depois que começaram a
falar. Mineiro por todo lado! O poeta Pellegrino, como psiquiatra, tem
garantida uma numerosa clientela. Amílcar modela Minas em arame. Paulo
encontrou Minas depois que saiu de lá. João Leite levou-a para São
Paulo, Alphonsus para Brasília, Guilhermino para o Sul. João Camilo
ficou. Etiene voltou. Paulo Lima voltou. Iglezias voltou. Jaques
voltou.Figueiró continua, Rubião recomeçou.

Um Estado de nariz imenso, um estado de espírito: um jeito de ser.
Manhoso, ladino, cauteloso, desconfiado — prudência e capitalização.
O guarda-chuva da proteção financeira, não como lema do Banco do
Magalhães mais o Zé Luís, e sim como regra de conduta:
— Meu filho, ouça bem o seu pai: se sair à rua, leve o guarda-chuva,
mas não leve dinheiro. Se levar, não entre em lugar nenhum. Se entrar,
não faça despesas. Se fizer, não puxe a carteira. Se puxar, não pague.
Se pagar, pague somente a sua.

Mas todos os princípios se desmoronam diante de um lombo de porco com
rodelas de limão, tutu de feijão com torresmos, lingüiça frita com
farofa. De sobremesa, goiabada cascão com queijo palmira. Depois,
cafezinho requentado com requeijão. Aceita um pão de queijo? biscoito
polvilho? brevidade? ou quem sabe uma broinha de fubá? Não, dona,
obrigado. As quitandas me apertencem, mas prefiro bolinho de januária,
e pronto: estou sastifeito.

É a hora e a vez de Guimarães Rosa sorrir e dizer pra cumpadre meu
Quelemén: perigoso nada, mira e veja, nas Gerais, essas coisas...
Falar de Minas, trem danado, sô. É falar no mundo misterioso de Lúcio
Cardoso, Cornélio Pena ou Rosário Fusco, no mundo irônico, esquivo ou
pitoresco de Cyro dos Anjos, Oswaldo Alves, Mário Palmério, seus
romancistas. E num mundo de gente, seus personagens, que vão de
Antônio Carlos a Milton Campos, de Bernardes a Juscelino — vasto
mundo! ah, se eu me chamasse Raimundo. Dentro de mim uma corrente de
nomes e evocações antigas, fluindo como o Rio das Velhas no seu leito
de pedras, entre cidades imemoriais. Leopoldina, doce de manga, terra
de meus pais... Prefiro estancá-las no tempo, a exaurir-me em
impressões arrancadas aos pedaços, e que aos poucos descobririam o que
resta de precioso em mim — o mistério da minha terra, desafiando-me
como a esfinge com o seu enigma: decifra-me , ou devoro-te.

Prefiro ser devorado.

Dica da prima Luz e Mar, de Juiz de Fora

Ao cair da tarde dourada - Belo Horizonte - Minas Gerais

Vendo um por do sol que se cria diferente a cada dia. Anexo, irá um apartamento, com janelas voltadas para se assistir a esse espetáculo, de camarote e taça ou copo de qualquer acompanhamento de sua preferência.

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Foto: UNIVERSO