sábado, 19 de setembro de 2009

Cordon Bleu - Martha Medeiros

Foto: JULIANA
Martha Medeiros
Todo homem sofre da "síndrome Paulo Maluf" e pensa que tudo na vida dele deve
ter cara de grande obra. Comida, por exemplo. Tem coisa mais irritante que homem
na cozinha? Pois os moços passaram séculos longe do fogão e, como não poderia
deixar de ser, no momento em que colocaram os pés 44 naquele território, viraram
todos "chefs".

Você dá o maior duro azarando o cara, finalmente, descola um convite e sai de casa,
crente que "quer jantar na minha casa? significa "oba, vai rolar um sexo"! Toca a campainha
vestida para matar, e sem calcinha sob o modelito vermelho, levando debaixo do braço
aquele tinto francês que comprou no supermercado, seguindo seu infalível critério de "rótulo
bacaninha que lembra gravura art nouveau do Alphonse Mucha".

Aqui, primeira dica importante: não ouse dizer que o vinho veio do Carrefour, senão você
vai ouvir uma longa preleção mais ou menos na linha "eles deixam as garrafas em pé... blabla
... vinho europeu não viaja bem...blablabla... a rolha resseca... blablabla..." (se rolar, não se
esqueça de balançar a cabeça concordando com ele, combinado?). Também nem tente
argumentar qualquer coisa,confiando naquele curso de degustação de vinhos que você fez há
quatro anos, lembra? Lembra nada! você saía totalmente chumbada de lá todas às vezes..

Pois para sua decepção, quem estará à porta, será uma criatura com ar grave de alquimista
prestes a descobrir o segredo de Midas, reclamando da dificuldade de se encontrar uma boa
pimenta jamaicana, segurando uma bugiganga LeCreuset de tirar a pele de legumes, embrulhado
em um avental imenso, engomado, com monograma bordado, imaculadamente branco e, para
o seu azar, sem aquela abertura atrás -- e você, louca pra vê-lo cozinhando um miojo de bum-bum
de fora, né? Confessa...

É compreensível, meninas. Os homens estão sofrendo de uma espécie de novo-riquismo culinário.
O gourmet requintado em que ele se transformou ontem, jamais passaria pela humilhação de
pilotar um fogão como o seu, cujo máximo de avanço tecnológico é a lâmpada amarelada do forno.
Não, ele torrou 22 mil dólares num Ilve italiano de sete bocas, com grelha, chapa infravermelha
para aquecer comida e dois fornos programáveis. Fazer as poções mágicas em panelinhas com
teflon pra lavar mais facilmente? Seria muita pobreza, para quem comprou uma "poissonnière" de
cobre com interior revestido de estanho, só para fazer peixes no vapor ("pechincha, 250dólares").
Conjuntinho de facas como aquelas que você ganhou de presente da tia-avó no primeiro casamento?
Jamais! No entender dele, nenhuma matéria-prima de manjar dos deuses, merece menos que facas
artesanais Zakharov com cabo de osso e madeira.
Foto: By Pinatubo
Duas horas e meia depois, o jantar está servido. Sabe aquele frango refogado que você faz em vinte
minutos, jogando um punhado de temperos a olho? É mais ou menos isso, só que coberto por uma
finíssima fatia de manga, arrematada com umas três ou quatro lascas de gengibre. Isso se não vier
acompanhado daquele molho de ervas que não combina com nada, e ele insiste em colocar em tudo.
E pensar que você estava rezando pra que aquela manga fosse virar sobremesa, escoltada por uma
bolota de um reles sorvetinho da Kibon....

Conselho de quem não quer que você arruine definitivamente a noite: tem de dizer que ele tá "ali, ó"
com Emmanuel Bassoleil. Não, melhor ainda: foi um prato comparável ao poulet do Paul Bocuse.
Fim do banquete, vá arregaçando as mangas para ajudar a lavar louça. Se deixar por conta dele,
serão mais duas horas esfregando as três panelas de cobre, duas de pedra sabão e o processador
de alimentos que sujou 7 peças pra picar salsinha, equipamentos rigorosamente necessários para
cozinhar uns 250g de frango.

Hora do café, hora do relax, certo? Pelo menos agora, você finalmente vai experimentar a tal griffe
"Illycaffè", que custou a ele uma nota preta, sem imaginar que o elogiadíssimo blend tem cerca de
dois terços de café brasileiro. Quando a água ferve, ele grita e de um salto, chega ao coador.
Queimadura? Não, puro horror, porque "água para café não pode ferver de jeito nenhum". Ah, que
saudades daquele tempo em que cozinhávamos com um "ajudante" tarado encoxando a gente na pia...

Enviado pela amiga e artista plástica Lúcia Pellegrino de Brasília