terça-feira, 9 de outubro de 2012

A Lua que não dei - Cecílio Elias Netto

O texto abaixo, dedico a minha mulher Walcira, aos meus filhos Ulisses e Juliana, Renata (minha nora predileta), Andrea (meu genro predileto), aos netos Beatriz, Gabriel e Matteo (que chegará em janeiro de 2013. 

Como não tive a capacidade de escrever esse belo texto, embora ele contenha coisas acertadas que eu e Wal fizemos, ao mostrar aos nossos filhos que a caminhada pela vida e o voo para se alcançar a lua desejada seria dura, de muita preparação, constante atualização, trabalho duro, nunca abrindo mão da honestidade e ética, não abrindo mão de seus princípios, direitos e deveres. 

Que respeitassem as pessoas, tratando-as com dignidade e respeito, aceitando e apoiando as diversidades.

Que plantassem, colhessem e guardassem parte para os dias de inverno rigorosos. 

Que mais do que tudo, vale mais ser inteiro, do que feliz infeliz.

Que o material não é tudo, mas o que desejassem, buscassem os caminhos e conquistassem por seus esforços.

Eles sabem e dizem que nem tudo o que fizemos nós acertamos. Mas reconhecem que demos uma base para que fossem eles, onde e como desejassem.

Temos certeza que fomos arcos e eles flechas em busca de seus alvos.

Muitos desses alvos eles já estão alcançando, são profissionais competentes, casaram, constituíram família e estão se preparando para serem arcos.

Com muito orgulho eu e Wal,  como pais e avós, sogro e sogra, assistimos a dura luta deles, juntamente com seus pares (Renata e Andrea, é nome italiano viu?), seus medos, seus momentos de dúvidas e as suas conquistas.

Eles sabem que ainda tem muita vida e trabalho pela frente e sabem também, que aqui estamos com as portas abertas para os bons momentos de reencontros e para acolhê-los sempre.

Espero que esse texto possa servir de orientação e inspiração na preparação de seus arcos e de suas flechas.

Um grande beijo, com muito carinho e um abração enorme do tamanho do UNIVERSO.
Amo vocês.


Compreendo pais - e me encanto com eles - que desejariam dar o mundo de presente aos filhos. E, no entanto, abomino os que, a cada fim de semana, dão tudo o que filhos lhes pedem nos shoppings onde exercitam arremedos de paternidade. E não há paradoxo nisso. Dar o mundo é sentir-se um pouco como Deus, que é essa a condição de um pai. Dar futilidades como barganha de amor é, penso eu, renunciar ao sagrado.

Volto a narrar o que me aconteceu ao ser pai pela primeira vez. Lá se vão, pois, 45 anos. Deslumbrado de paixão, eu olhava a menina no berço, via-a sugando os seios da mãe, esperneando na banheira, dormindo como anjo de carne. E, então, eu me prometia, prometendo-lhe: 'Dar-lhe-ei o mundo, meu amor.' E não lho dei. E foi o que me salvou do egoísmo, da tola pretensão e da estupidez de confundir valores materiais com morais e espirituais.

Não dei o mundo à minha filha, mas ela quis a Lua. E não me esqueço de como ela pediu a Lua, há anos já tão distantes. Eu a carregava nos braços, pequenina e apenas balbuciante, andando na calçada de nosso quarteirão, em tempos mais amenos, quando as pessoas conversavam às portas das casas. Com ela junto ao peito, sentia-me o mais feliz homem do mundo, andando, cantarolando cantigas de ninar em plena calçada. Pois é a plenitude da felicidade um homem jovem poder carregar um filho como se acariciando as próprias entranhas. Minha filha era eu e eu era ela. Um pai é, sim, um pequeno Deus, o criador. E seu filho, a criatura bem amada.

E foi, então, que conheci a impotência e os limites humanos. Pois a filhinha - a quem eu prometera o mundo - ergueu os bracinhos para o alto e começou a quase gritar, assanhada, deslumbrada: 'Dá, dá, dá...' Ela descobrira a Lua e a queria para si, como ursinho de pelúcia, uma luminosa bola de brincar. Diante da magia do céu enfeitado de estrelas e de luar, minha filha me pediu a Lua e eu não lha pude dar.

A certeza de meus limites permitiu, porém, criar um pacto entre pai e filhos: se eles quisessem o impossível, fossem em busca dele. Eu lhes dera a vida, asas de voar, diretrizes, crença no amor e, portanto, estímulo aos grandes sonhos. E o sonho da primogênita começou a acontecer, num simbolismo que, ainda hoje, me amolece o coração.. Pois, ainda adolescente, lá se foi ela embora, querendo estudar no Exterior. Vi-a embarcar, a alma sangrando-me de saudade, a voz profética de Kalil Gibran em sussurros de consolo:
'Vossos filhos não são vossos filhos, mas são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Eles vêm através de vós, mas não de nós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. (...) Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas'

Foi o que vivi, quando o avião decolou, minha criança a bordo. No céu, havia uma Lua enorme, imensa. A certeza da separação foi dilacerante. Minha filha fôra buscar a Lua que eu não lhe dera. E eu precisava conviver com a coerência do que transmitira aos filhos: 'O lar não é o lugar de se ficar, mas para onde voltar.'

Que os filhos sejam preparados para irem-se, com a certeza de ter para onde voltar quando o cansaço, a derrota ou o desânimo inevitáveis lhes machucarem a alma. Ao ver o avião, como num filme de Spielberg, sombrear a Lua, levando-me a filha querida, o salgado das lágrimas se transformou em doçura de conforto com Kalil Gibran: como pai, não dando o mundo nem Lua aos filhos, me senti arqueiro e arco, arremessando a flecha viva em direção ao mistério.

Ora, mesmo sendo avós, temos, sim e ainda, filhos a criar, pois família é uma tribo em construção permanente. Pais envelhecem, filhos crescem, dão-nos netos e isso é a construção, o centro do mundo onde a obra da criação se renova sem nunca completar-se. De guerreiros que foram, pais se tornam pajés. E mães, curandeiras de alma e de corpo. É quando a tribo se fortalece com conselheiros, sábios que conhecem os mistérios da grande arquitetura familiar, com régua, esquadro, compasso e fio de prumo. E com palmatória moral para ensinar o óbvio: se o dever premia, o erro cobra.

Escrevo, pois, de angústias, acho que angústias de pajé, de índio velho. A nossa construção está ruindo, pois feita em areia movediça. É minúsculo o mundo que pais querem dar aos filhos: o dos shoppings. E não há mais crianças e adolescentes desejando a Lua como brinquedo ou como conquista. Sem sonhos, os tetos são baixos e o infinito pode ser comprado em lojas. Sem sonhos, não há necessidade de arqueiros arremessando flechas vivas.

Na construção familiar, temos erguido paredes. Mas, dentro delas, haverá gente de verdade?

Cecílio Elias Netto é escritor e jornalista - Texto escrito e publicado em 2008
Dica dos amigos Alaor e Nelson, de Juiz de Fora

2 comentários:

  1. É isso aí. Fomos criados para o mundo e isso sempre foi motivo de estranheza e conflitos. Algumas vezes nossos e muitas outras de nossos amigos, companheiros e seus pais que nao entendiam que para viver precisa-se ser livre.
    Ser livre é ter opcoes, é poder escolher, é ter responsabilidade dobrada. Responsabilidade dobrada pois as escolhas, todas elas tem um preco. E um sabor. E uma conquista.
    E assim fomos flechas e agora passamos a ser arcos. Arcos de protecao e amor, arcos de sustentacao para os sonhos de nossos filhos e realizacao de missao cumprida de nossos pais.
    Sempre fui estranha(mente), diferente, mas em busca de minha alma livre para ser quem sempre quis. Continuo buscando. E escolhendo. Acertando e errando alvos. Mas, acima de tudo, vivendo.
    Isso seria felicidade? Quem sabe?
    Quanto a lua, existe uma que voce pode me dar de presente. E ela ficaria linda na varanda da minha casa como alvo para meu arco e para recordar, a cada dia, onde posso chegar! ;)
    Com amor, da filha curandeira e exótica. Ju

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    1. Querida Ju, sabemos que as opções de vcs foram em busca de serem felizes, onde e como desejassem e os apoiamos. Muitas pessoas não entendem que não é distância, perto ou longe, que alterará o grau de felicidade. Altera, sim, o tanto de saudade. Mas os encontros e reencontros compensam, Vale e muito, sobretudo, ver que vocês vivem as vidas que cada um escolheu e deseja, não a vida que "planejamos" para vocês. Quanto a tal lua, ela continua dentro do título: "A lua que não dei"... Beijão

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