Vida à Venda - Lucia Pellegrino - Artista plástica de Brasília -
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Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom então de manhã você pode brincar dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã....' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada.
Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'
Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito.
Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
A palavra hoje é 'entretenimento' ; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela.
Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse..
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping Center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas.
Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:
- "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz !"
A felicidade, a vida nao se compra. Compra-se a ilusao de ser. Quanto mais uma pessoa quer ser por meio do ter menos tem e é.
ResponderExcluirCada dia mais essas reflexoes fazem parte da vida: o que realmente preciso ter para ser feliz? Nao preciso ter, preciso somente ser. Feliz.
Posso te garantir que viver sem relógio, celular, roupas e sapatos caros e em quantidades, microondas, sanduicheira, chefe enchendo o saco, ter um banheiro para a hora do bexigão cheio e do "piriri gangorra", conversar com amigos e confraternizar, ter um amor e curtir a familia, isso tem um preço, sim. Chama-se FELICIDADE!. Para ser feliz basta ter o essencial, a coragem de ser feliz.Bjs procê. Te amo filha.
ResponderExcluirLinda crônica! Quisera que todos pudessem lê-la e que tivessem a devida sensibilidade para compreendê-la. Frei Beto é apaixonante! Em seus textos há uma beleza que só pode ser vista pelo coração. (Regina e Saint Exupéry)
ResponderExcluirRegina Flávia, obrigado por sua visita ao blog e comentário. Fique à vontade caso queira compartilhar com outras pessoas.
ResponderExcluirFrei Beto, escreve belas crônicas, e se tiver alguma de que goste, pode enviar-me, por favor, que avaliarei e postarei no blog, desde que, o assunto esteja em contexto com o blog.
Um grande abraço e volte mais
Universo
Grande e magnânimo este frade dominicano!
ResponderExcluirNão apenas escreve de forma solene, mas encanta!
Grande pensador da Teologia da Libertação, ao lado do Leonardo Boff. Li o texto e não pude deixar de comentar!
Aqui está meu blog, que também deu espaço ao frade, sobre as criticas dele à realização da Copa:
www.livrementepresos.blogspot.com
Ozzy, ele é tão bom que caiu fora da camarilha que assola esse país. Integridade, coerência e visão humanista, fazem dele um dos grandes brasileiros que nosso país tanto precisa.
ResponderExcluirVolte sempre por aqui. Vou conhecer seu blog.
Um grande abraço do Universo