Abri um livro e, antes de começar a lê-lo, me fixei na dedicatória
da primeira página. Dizia:
"À memória de Jennifer Moyer, que deixou tudo melhor do
que havia encontrado."
É o que todos nós gostaríamos de ver escrito no nosso obituário,
imagino.
Desconheço quem seja Jennifer Moyer, mas simpatizei com a moça
(garanto que ela nunca deixou de ser moça, mesmo que tenha morrido
aos 100). Só as pessoas de alma jovem e sadia é que entendem que a
gente não vem ao mundo para sugá-lo, para retirar dele o suco
possível e deixar para trás o nosso lixo. Encontramos o mundo de
um jeito, ao nascer. É uma questão de honra que ele esteja melhor
ao partirmos.
* * *
Mas não é tarefa fácil. Eu desanimo quando vejo a quantidade de
pessoas grosseiras que se reproduzem feito gremlins. O uso do
palavrão, por exemplo, que foi assunto no final do ano passado:
normal, todo mundo diz, faz parte do vocabulário de qualquer
sociedade, mas uma coisa é usá-lo coloquialmente, quando a
situação estimula o desabafo. Outra é popularizá-lo sem
necessidade, perdendo a compostura justamente quando se deveria
utilizar a hierarquia para dar bons exemplos, caso de presidentes
da República, diretores de empresa, professores e pais.
“Menino, vá estudar, ou quer ficar na merda pra sempre?”
Essa deselegância no tratamento familiar é comum nos lares
brasileiros, e com aval público, tende a se perpetuar.
* * *
Se a gente quer que nossos netos herdem um mundo melhor, é preciso
arregaçar as mangas agora, por isso é que vale repetir: ninguém
morre se caminhar três quadras em vez de usar o carro ou se
procurar uma lixeira em vez de jogar a lata de refrigerante no
meio da rua. E não é só consciência ambiental que precisamos
exercitar, mas também uma consciência básica sobre a arte de
conviver. Não é possível que as pessoas sigam sendo tão maldosas
e ariscas, sempre alfinetando os outros, sempre interpretando
erroneamente os bons atos e cultivando um complexo de perseguição
que mina as relações. Ninguém mais acredita em ninguém, ninguém
confia, todos vivem com a faca entre os dentes, temendo passar por
otários. E é o que acabam sendo. Se tivessem uma visão um pouco
mais pacifista, iriam facilitar muito as relações humanas. Esperar
o melhor dos outros é uma atitude contagiante, mas, infelizmente,
esperar o pior também é. E fica essa guerra de nervos no ar.
Tenho uma visão bem individualista sobre o que torna o mundo mais
habitável: cada um fazendo a sua parte já ajuda um bocado. Não
estou falando apenas de contribuir com dinheiro para entidades
carentes, adotar bichos de rua, doar sangue, mas também em cuidar
do nosso humor, praticar a cortesia, aplaudir, elogiar – não há
submissão nenhuma em ser positivo. Mas somos acomodados e
preferimos esperar por soluções estabelecidas de cima para baixo,
como se a nossa colaboração fosse inexpressiva.
* * *
Dedico essa crônica à minha musa inspiradora de hoje, Jennifer Moyer,
que sei lá o que fez para ser homenageada com uma dedicatória num
livro, mas pouca coisa não foi: ou ela soube transmitir aos filhos
a importância de se viver sem mágoas, ou ela soube cultivar seus
amigos, ou ela sempre foi justa, ou não se deixou levar por vaidades
bestas, ou simplesmente sorriu mais do que praguejou. Ou tudo isso
junto, o que já é um belo lote de atos revolucionários.
Martha Medeiros, O Globo de 10/01/2010
Essa deselegância no tratamento familiar é comum nos lares
brasileiros, e com aval público, tende a se perpetuar.
* * *
Se a gente quer que nossos netos herdem um mundo melhor, é preciso
arregaçar as mangas agora, por isso é que vale repetir: ninguém
morre se caminhar três quadras em vez de usar o carro ou se
procurar uma lixeira em vez de jogar a lata de refrigerante no
meio da rua. E não é só consciência ambiental que precisamos
exercitar, mas também uma consciência básica sobre a arte de
conviver. Não é possível que as pessoas sigam sendo tão maldosas
e ariscas, sempre alfinetando os outros, sempre interpretando
erroneamente os bons atos e cultivando um complexo de perseguição
que mina as relações. Ninguém mais acredita em ninguém, ninguém
confia, todos vivem com a faca entre os dentes, temendo passar por
otários. E é o que acabam sendo. Se tivessem uma visão um pouco
mais pacifista, iriam facilitar muito as relações humanas. Esperar
o melhor dos outros é uma atitude contagiante, mas, infelizmente,
esperar o pior também é. E fica essa guerra de nervos no ar.
Tenho uma visão bem individualista sobre o que torna o mundo mais
habitável: cada um fazendo a sua parte já ajuda um bocado. Não
estou falando apenas de contribuir com dinheiro para entidades
carentes, adotar bichos de rua, doar sangue, mas também em cuidar
do nosso humor, praticar a cortesia, aplaudir, elogiar – não há
submissão nenhuma em ser positivo. Mas somos acomodados e
preferimos esperar por soluções estabelecidas de cima para baixo,
como se a nossa colaboração fosse inexpressiva.
* * *
Dedico essa crônica à minha musa inspiradora de hoje, Jennifer Moyer,
que sei lá o que fez para ser homenageada com uma dedicatória num
livro, mas pouca coisa não foi: ou ela soube transmitir aos filhos
a importância de se viver sem mágoas, ou ela soube cultivar seus
amigos, ou ela sempre foi justa, ou não se deixou levar por vaidades
bestas, ou simplesmente sorriu mais do que praguejou. Ou tudo isso
junto, o que já é um belo lote de atos revolucionários.
Martha Medeiros, O Globo de 10/01/2010
Fica registrada a beleza e a força da natureza que cresceu, enfeita e ameniza esse monumento a estupidez humana.
Enviado pela Luciane de Curitiba - Fotos:UNIVERSO
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