terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Ode à flor azul - Pablo Neruda

Caminhando em direção ao mar

pela planície
– é Novembro –
vê-se que tudo floresceu já,
deitou corpo,
ondula, inebria.
Erva a erva
sentirei a terra,
passo a passo
até ao exaltado limiar
do oceano.
Subitamente uma onda
de ar estremece e faz ondular
a cevada selvagem:
levanta-se
em voo, dos meus pés,
um pássaro, o chão
coberto de fios de ouro,
de pétalas sem conta
brilha subitamente como uma rosa verde,
enreda-se com as urtigas que descobrem
a cobra-coral sua inimiga,
esbeltos caules, cintilantes
sarças,
diferenciada forma
com que cada vegetal saúda,
às vezes com uma rápida
cintilação de espinhos
ou com a efervescência do seu perfume
fresco, fino e amargo.
Andando a passo lento pela erva rente
da oculta primavera,
em direção à espumante orla
do Pacífico,
cem metros antes de o grande oceano aparecer
e a terra terminar
parece
que tudo entrou em delírio,
germinação e canto.
As minúsculas ervas
coroaram-se de ouro,
brotaram raios violeta
das plantas da areia
e a cada pequena folha abandonada
uma mensagem de lua ou de fogo chegou.
Caminhando, à beira do mar,
no mês de Novembro,
entre os matagais banhados
de luz, fogo e sal marinhos
encontrei uma flor azul
nascida na agreste planície.
De que lugar ou profundezas
extrais esse teu azul fulgor?
Comunica com o mar profundo
debaixo da terra
a tua estremecida seda?
Ergui-a nas minhas mãos
e olhei-a como se o mar habitasse
numa só gota,
como se na batalha
da terra e das águas
uma flor levantasse
um pequeno estandarte
de fogo azul, de irresistível paz,
de indomável pureza.
Pablo Neruda

De: Odes Elementares. Poesia do Século XX. Publicações Dom Quixote.

Lisboa, Nov. 1977, págs. 105 a 107.

Texto digitado e enviado pela nova amiga Leda Lucas

Fotos: Flor Azul - UNIVERSO - Zapallar - Chile / Pablo Neruda: Internet

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