Vou juntar dinheiro e fazer esse jantar, custe o que custar. Estão todos convidados. Só não sei o dia, a hora e local.
Tudo se passa na aldeia de Jutlândia, norte da Dinamarca, no distante ano de 1871. Um velho pastor, fundador de seita religiosa conservadora, tem duas belas filhas - Martine (o nome é homenagem a Martinho Lutero) e Filippa (homenagem a Filippe Melanchton, teólogo alemão e amigo de Lutero). Como em todas as histórias, elas se apaixonam perdidamente. Martina, pelo ambicioso tenente Lorens Lowenheim; e Filippa, pelo já decadente cantor de óperas Achile Papin. Mas sacrificam o ardor da juventude, para estar ao lado do pai. Envelhecem juntas e sós, praticando a caridade e amparando os velhos da aldeia. Mas no íntimo lamentando, em todos os longos dias de suas vidas, aqueles amores perdidos.
Um dia recebem carta de Achile Papin, encarecendo que acolham em casa Babette Hersant, uma amiga, perseguida na França, que havia perdido tudo - casa, marido e filho. Não seria um peso, explica na carta, pois trabalharia apenas por teto e comida. Indicando laconicamente, em uma única frase, "ela sabe cozinhar". Assim chega Babette à pequena aldeia, para ficar definitivamente. Seu único vínculo com a França, dizia sempre, era um bilhete de loteria, renovado anualmente por uma amiga. E finalmente Babette ganha, nessa loteria, 10.000 francos. Uma fortuna, à época. E pede às irmãs licença para oferecer aos velhos da aldeia, em homenagem ao 15o aniversário da morte do pastor, um verdadeiro jantar francês. Esse jantar é o filme.
Filippa e Martine se preocupam com os preparativos e os ingredientes trazidos do continente, sob às ordens de Babette. Alertam aos velhinhos, para a tentação que sofrerão, naquela noite, e todos se comprometem a não fazer comentários durante a refeição. Entre os convidados, na última hora, vem aquele jovem tenente - o que Martine nunca havia esquecido, hoje importante general Lorens. Homem culto, ele vai fazendo comentários sobre os pratos, à medida em que vão sendo postos à mesa - sopa de tartaruga com quenelles de vitela, blinis demidof, caille em sarcophage, baba au rhum.
O general Lorens vai descrevendo os pratos do jantar e referindo a história de uma notável cozinheira do "Café Anglais" (a casa realmente existiu, em Paris, na esquina do Boulevard des Italiens e da Rue Marivaux, entre 1802 e 1913), de quem o general Gallifet dizia ser capaz de transformar simples jantares em casos de amor. Mulher tão especial que seria a única boa razão, na França da época, para um duelo. Ele só não sabia ainda é que aquele jantar havia sido preparado por aquela cozinheira. E o que "se anunciava como prenúncio da perdição, acaba revelando-se um acontecimento celestial". Amantes com culpa se assumem; inimigos se perdoam, nos rostos uma alegria que já haviam esquecido. A cena em que ficam todos dançando abraçados, em volta de um poço, é antológica.
Pouco antes de ir embora, o general Lorens faz belo discurso, abrindo a alma. "Na sua fraqueza e miopia o homem acha que tem de fazer uma escolha na vida e teme o risco que corre". Falava dele, que escolheu a carreira, em vez do coração. "Toda escolha é sem importância. A graça não exige nada. Tudo que escolhemos nos foi dado e tudo de que desistimos nos foi concedido". Então, olhando profundamente para Martine, completa "Vaidade, tudo é vaidade. Piedade e verdade se unem. Justiça e paz se abraçarão uma a outra. Sim, teremos ainda de volta o que jogamos fora". Por fim ao se despedir, toma a mão de Martine entre as suas mãos, e diz -"estive com você em cada dia da minha vida e ainda estarei em cada dia que restar. Em nosso belo mundo tudo é possível". Martine responde com um olhar submisso de compreensão.
Finda a festa, Babette, confirma ser aquela chefe de cuisine de quem falou o general Lorens. E diz ter consumido todo o dinheiro do prêmio naquele banquete. Mas, segundo ela, "um artista nunca é pobre". E estava feliz. Sua opção era ficar ali mesmo, onde afinal encontrou a paz. Os convidados voltam a suas casas. E, na memória de todos, ficarão para sempre aqueles momentos. Piedade e verdade se uniram. Justiça e paz se abraçaram. Estrelas se aproximaram. Ao menos naquela noite, e mesmo que só por um breve instante, a natureza humana se revelou gloriosa. Em um jantar.
RECEITAS DO FILME:
SOPA DE TARTARUGA COM QUENELLES DE VITELA
INGREDIENTES:
PARA A SOPA:
3,5 litros de caldo de vitela (toste ossos de vitela numa assadeira, no forno.Passe-os para uma panela alta, coloque água, deixe ferver. Retire a espuma que se formou e junte cebola, cenoura, alho, alho-poró, aipo,tomate e um bouquet garni - cozinhe lentamente em fogo baixo, peneire e reserve). 300 g. de carne de tartaruga desossada, cortada em pedaços, 1 alho-poró(parte branca, cortada em pedaços), 1 cenoura grande, 1 talo de aipo cortado em pedaços, 1 batata doce cortada em pedaços, 1/3 de xícara de chá de vinho Madeira, sal a gosto.
PARA OS QUENELLES:
360 gr de carne de vitela moída bem fina, 3 claras de ovos, 4 colheres de sopa de creme de leite fresco, sal e pimenta do reino a gosto.
PREPARO:
SOPA:
Aqueça o caldo de vitela numa panela grande. Acrescente a carne de tartaruga e ferva lentamente por uma hora. Adicione o alho-poró, a cenoura, o aipo e a batata doce. Continue a ferver por mais uma hora. Coe o caldo em pano fino. Descarte os legumes e vegetais e coloque a carne de tartaruga em uma tigela, com um pouco do caldo. Tampe e leve à geladeira, por doze horas. No dia seguinte, remova toda a gordura do caldo e reaqueça, acrescentando a carne de tartaruga. Junte o vinho madeira e tempere com sal. Aqueça os quenelles no vapor, coloque 5 quenelles em cada prato e complete com a sopa de tartaruga.
QUENELLES:
Coloque a vitela no processador e vá juntando as claras e o creme fresco. Tempere com sal e pimenta. Com a ajuda de 2 colheres de sopa, mergulhadas em água fria, forme quarenta pequenas quenelles (almôndegas) ovais e coloque-as num prato molhado com água fria, de maneira que não encostem uma na outra. Leve ao fogo um caldeirão com água e sal e espere ferver. Coloque os quenelles nesta água, tampe o caldeirão e apague o fogo. Depois de 5 minutos remova as quenelles com uma escumadeira e deixe-as secar sobre papel absorvente. Reserve-as.
BEBIDA: Jerez Amontillado Viejo Hidalgo
BLINIS DEMIDOF
INGREDIENTES:
PARA O BLINIS:
½ tablete de fermento fresco, 1 xícara de chá de leite quente, 1 ½ xícara de chá de farinha de trigo peneirada, 2 gemas ligeiramente batidas, 2 claras batidas bem firmes, ¼ de xícara de chá de creme de leite fresco, 1 pitada de sal, manteiga sem sal para untar a frigideira, 120 g. de caviar sevruga.
PARA O CREME AZEDO:
½ litro de creme de leite fresco, ½ limão pequeno, algumas gotas de vinagre.
PREPARO:
BLINIS:
Numa tigela grande, dissolva o fermento no leite quente. Acrescente uma xícara de farinha e bata, até a mistura ficar uniforme. Cubra com um pano limpo e deixe em lugar aquecido, durante duas horas, para a massa crescer. Após esse tempo, misture as gemas, o creme de leite fresco e a farinha de trigo restante. Acrescente sal e claras batidas, misturando delicadamente. Cubra e deixe a massa crescer novamente, por trinta minutos. Unte uma frigideira pequena. Leve-a ao fogo e junte-lhe três colheres de sopa de massa. Quando começar a dourar em baixo, vire e doure do outro lado. Retire o blinis, reserve-o em lugar aquecido e repita a operação, até terminar a massa.
CREME:
Em batedeira ou processador, coloque o creme de leite e vá batendo com o suco de limão e as gotas de vinagre. Retire assim que encorpar.
MONTAGEM:
Na hora de servir, coloque um pouco do creme azedo sobre cada blinis. E, por cima, o caviar.
BEBIDA: Champagne Veuve Clicquot La Grand Dame
CAILLE EN SARCOPHAGE
INGREDIENTES:
500 g. de massa folhada, 1 gema batida com duas colheres de sopa de água, 8 codornas desossadas (exceto pernas e asas),6 colheres de sopa de cognac, 60 g. de trufas pretas picadas, 240 g. de fois gras fresco de ganso, 5 colheres de sopa de manteiga sem sal, 3 échalotes (cebola roxa) picadas, 1 xícara de chá de vinho branco seco, 4 xícaras de chá de caldo de carne,2 colheres de chá de trigo dissolvidas em um pouco de vinho branco, 8 cogumelos de Paris grandes (somente os chapéus), 1 colher de chá de óleo de amendoim, sal e pimenta do reino moída na hora, farinha de trigo para polvilhar.
PREPARO:
MASSA:
Estenda a massa em superfície lisa. Corte oito retângulos de 10 cm de largura por 13cm de comprimento. Faça alguns furos com a ponta de um garfo e pincele com a mistura de gema e água. Asse a massa no forno pré-aquecido, por 15 minutos, até que esteja dourada. Quando estiverem frias, corte e retire um pedaço da parte central, de cada retângulo, com o auxílio de uma faca, formando "ninhos", para receber as codornas.
CODORNAS (caille):
Lave e seque as codornas. Tempere com sal, pimenta e duas colheres de cognac. Junte metade das trufas picadas. Divida o fois gras em oito porções iguais e distribua nas cavidades.Feche cada codorna com linha. Em uma panela de fundo grosso, aqueça uma colher de sopa de manteiga. Acrescente os ossos que foram retirados e toste-os ligeiramente.Coloque as échalotes e refogue sem parar de mexer. Misture 2 colheres de cognac e raspe o fundo da panela. Acrescente o vinho, o caldo e deixe ferver lentamente por 30 minutos, até reduzir pela metade. Coe o caldo e devolva para a panela. Despeje a mistura de trigo, e mexa até o caldo engrossar. Incorpore as trufas restantes e tempere com sal e pimenta. Reserve. Refogue os cogumelos em duas colheres de manteiga. Reserve. Aqueça a manteiga restante com o óleo e doure as codornas, virando-as de todos os lados, leve-as depois ao forno por 10 minutos. Coloque o cognac restante na frigideira que dourou as codornas e raspe-a. Junte essa mistura ao caldo com as trufas. Retire as codornas do forno e retire as linhas.
MONTAGEM:
Coloque as massas numa assadeira e deposite uma codorna em cada "ninho" de massa. Reaqueça no forno, por 5 minutos. Transfira, cuidadosamente, para os pratos. Arrume os cogumelos em volta. Derrame o molho quente sobre as codornas e os cogumelos. Sirva imediatamente.
BEBIDA: Vinho Tinto Clos de Vougeot
BABA AU RHUM
INGREDIENTES:
1 tablete de fermento fresco, 1/3 de xícara de chá de leite quente, 2 ½ xícara de chá de farinha de trigo peneirada, 8 colheres de sopa de manteiga sem sal, 2 2/3 de xícara de chá de açúcar, 6 ovos, 5 ½ xícaras de chá de água, ½ xícara de chá de rum escuro, frutas cristalizadas picadas.
PREPARO:
Numa tigela grande, dissolva o fermento no leite. Incorpore meia xícara de farinha de trigo, cubra e deixe em lugar abafado por trinta minutos, para a massa crescer. Bata, na batedeira, 7 colheres de manteiga. Junte duas colheres de sopa de açúcar e duas de farinha.Vá juntando e batendo os ovos, um de cada vez. Retire. Bata a farinha restante com a massa fermentada, usando os batedores próprios para massas pesadas. Depois bata junto a mistura da manteiga com os ovos, até formar uma massa muito espessa. Unte uma fôrma de buraco com o restante de manteiga. Junte a massa. Cubra-a com um pano limpo e deixe-a crescer até ocupar toda a fôrma. Asse, em forno pré-aquecido, por 40 minutos. Misture o açúcar restante com a água, numa panela e ferva, reduzindo essa calda. Retire do fogo e acrescente o rum. Assim que estiver assada, desinforme e despeje cuidadosamente a calda quente de rum. Decore com as frutas cristalizadas.
BEBIDA: Vinho Sauternes Château de Malle
Dica enviada pela amiga Luciane de Curitiba
Adaptação do texto da Jornalista Lecticia Cavalcanti, coordenadora do caderno Sabores da Folha de Pernambuco, escreve na Revista Continente Multicultural e no site pe.360graus.
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