(Betty Vidigal, minha amiga querida)
Esta noite, me cobri com seu perfume:
era um jeito de ser sua.
Deitei no centro da cama, seminua,
sozinha
vestindo a tanga de renda cor de água-marinha
que comprei para te provocar.
(A diferença entre amor e paixão
é que amor não
faz a gente sair por aí,
comprando lingerie
– isto não é invenção minha,
é citação;
já nem lembro onde li.)
Mulheres sábias usam só uma gotinha
de essência, atrás da orelha.
Eu, que não sou sábia, não consigo:
uso uma gota entre os seios
e outra gota no umbigo.
E se pretendo partir para o ataque,
prefiro pôr atrás da orelha
uma gota de conhaque
Pedro Domecq.
Mas nessa noite, não: usei Bulgari Black,
um vidro inteiro,
num ato de exagero,
para acabar com isto de uma vez,
nunca mais sentir seu cheiro.
Metódica e tranqüila como uma suicida,
massageei primeiro
os pés, pernas, joelhos,
longamente.
A mulher do espelho
me olhava com censura.
Julguei detectar uns laivos de loucura
nos seus olhos vermelhos.
Mas eu, que sou sensata, madura, equilibrada,
quando percebo seus lábios cheios de perguntas
do outro lado da lâmina de vidro,
viro de costas para ela,
não lhe explico nada.
Passo o perfume nas juntas:
dedos, pulsos, cotovelos;
derramo meio frasco nos cabelos
e por fim, acabo com essa história:
despejo sobre os ombros, a garganta,
todo o restante,
como quem dispara um tiro de pistola.
Dormi assim, alucinada de perfume.
Impressionante
o que faz o ciúme.
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