domingo, 4 de julho de 2010

Melhor morrer - História do Dínamo de Kiev

Para quem acha que não existe vida inteligente no futebol, leia abaixo o artigo do Dante Mendonça.

Na história do futebol não se sabe quem mais implorou para morrer: Dunga, ao ver a arrogância no fundo da rede, ou o atacante Gyan, ao ver a felicidade dos torcedores de Gana bater na trave. O que se sabe com certeza é que no mundo da bola o único time de futebol que pediu para morrer foi o Dínamo de Kiev, na segunda Guerra Mundial.

Tudo começou em 19 de Setembro de 1941, quando os alemães invadiram Kiev, na Rússia. Seus habitantes, que não podiam trabalhar nem viver nas suas casas, vagueavam pelas ruas. Entre os esfomeados estava Nikolai Trusevich, antigo goleiro do Dínamo de Kiev.

Josef Kordik
era um padeiro alemão e torcedor do Kiev que sabia o nome e o sobrenome de seus jogadores de cor e salteado. Certo dia, Kordik reconheceu o ídolo Nikolai Trusevich pedindo comida nas ruas. Emocionado ao reconhecer o ídolo, Kordik levou o goleiro para sua padaria. Deu-lhe teto, comida e trabalho e, para driblar a marcação nazista, de quem recebia proteção, argumentou que precisava de um ajudante para amassar o pão.

Numa daquelas madrugadas frias de conversas calorosas, o padeiro teve a ideia: em vez de Trusevich perder tempo amassando pão, poderia sair em busca do resto do time do Dínamo de Kiev. Dito e feito. Trusevich resgatou da miséria os outros dez companheiros, encontrou mais três craques do arquirrival Lokomotiv e juntos se refugiaram na casa do padeiro sem que os nazistas desconfiassem. Depois de um tempo naquela “concentração”, os jogadores não demoraram a dar o passo seguinte. Formaram o FC Start, para desafiar na grama o III Reich. No início de junho de 1942 aconteceu o primeiro jogo: 7x0 para o Start. E assim foi, de goleada em goleada o redivivo Dínamo de Kiev humilhou o exército nazista na bola.

Em agosto de 1942, mês de cachorro louco, os alemães pagaram para ver: trouxeram de Berlim a poderosa equipe da Luftwaffe para bater os padeiros de Kiev. Mais agressivos que nunca, os alemães marcaram o primeiro gol. Mas sofreram dois até ao intervalo. O que levou o comandante da SS a dar a ordem superior:
- Se ganharem, serão fuzilados!

Os craques de Kiev olharam uns para os outros. Desanimados, pensaram em desistir. Porém as lembranças de suas famílias destruídas pelos nazistas os levaram de volta ao segundo tempo dispostos a vencer. Vencer ou morrer! No último minuto, o goleador Klimenko passou pela defesa inimiga, driblou o goleiro e, com o gol vazio, deu meia volta e chutou a bola para o seu meio-campo, num gesto de desprezo, de superioridade total. O estádio veio abaixo.

Naquele dia, os alemães nada fizeram. O time do padeiro venceu de goleada mais uma partida três dias depois, mas o final já estava traçado e a Gestapo visitou a padaria para destruir pela segunda vez o Dínamo de Kiev: o primeiro a morrer torturado foi o padeiro Kordik. Os demais foram exterminados nos campos de concentração. O goleiro Trusevich teve um fim diferente: caiu fuzilado com o uniforme do FC Start.

***

Ainda hoje, nas escadarias do Dínamo de Kiev vê-se um monumento que saúda e recorda aqueles indomáveis heróis de guerra do FC Start, os quais ninguém pôde derrotar durante uma dezena de históricas partidas, entre 1941 e 1942. Na Ucrânia, os jogadores do FC Start são heróis da pátria e o seu exemplo de coragem é ensinado nas escolas.

Essa é a história da "Partida da Morte". John Huston inspirou-se nela para fazer o "Fuga para a Vitória", com outro final: no empate de 4x4, o campo foi invadido para permitir que, na confusão, os prisioneiros escapassem com o seguinte time: Michael Caine, Sylvester Stalone, Pelé, Deyna (Polônia), Ardiles (Argentina), Van Himst (Bélgica) e Bobby Moore (Inglaterra), entre outros que nunca seriam escalados pelo Dunga.

Dante Mendonça (O Estado do Paraná)