domingo, 27 de novembro de 2016

"O TEMPO PASSOU E ME FORMEI EM SOLIDÃO" - José Antônio Oliveira de Resende



Sou do tempo em que ainda se faziam visitas.
Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido.
Íamos todos juntos, família grande, todo mundo a pé.
Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de paraquedas mesmo.
E os donos da casa recebiam alegres a visita.
Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por um.
– Olha o compadre aqui, garoto!
- Cumprimenta a comadre.
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus irmãos.
Aí chegava outro menino.
Repetia-se toda a diplomacia.
– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável!
A conversa rolava solta na sala.
Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de papo com a comadre.
Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do tal compadre.
Retratos na parede, duas imagens de santos numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora.
A nossa também era assim.
Também eram assim as visitas, singelas e acolhedoras.
Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes.
Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
*– Gente, vem aqui pra dentro que o café está na mesa.*
Tratava-se de uma metonímia gastronômica.
O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos, leite... tudo sobre a mesa.
Juntava todo mundo e as piadas pipocavam.
As gargalhadas também.
Pra que televisão?
Pra que rua?
Pra que droga?
A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança...
Era a vida respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, quase sempre antes das 22:00 h, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina.
Ainda nos acenávamos.
E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura e pela acolhida.
Era assim também lá em casa.
Recebíamos as visitas com o coração em festa...
A mesma alegria se repetia.
Quando iam embora, também ficávamos, a família toda, à porta.
Olhávamos, olhávamos... até que sumissem no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão.
Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, internet, e-mail, celular, Whatsapp ...
Cada um na sua e ninguém na de ninguém.
Não se recebe mais em casa.
Agora a gente combina encontros com os amigos fora de casa:
– Vamos marcar uma saída!... – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas.
Cemitério urbano, onde perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que assustadores.
Casas trancadas...
Pra que abrir?
O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos de nata...
*Que saudade de um compadre e de uma comadre!...*
Créditos: José Antônio Oliveira de Resende
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.

Texto enviado pela prima, de Juiz de Fora, Luz e Mar Rodrigues Soares